Vida e Missão neste chão

Uma vida em Açailândia (MA), agora itinerante por todo o Brasil...
Tentando assumir os desafios e os sonhos das pessoas e da natureza que geme nas dores de um parto. Esse blog para partilhar a caminhada e levantar perguntas: o que significa missão hoje? Onde mora Deus?
Vamos dialogar sobre isso. Forte abraço!
E-mail: padredario@gmail.com; Twitter:
@dariocombo; Foto: Marcelo Cruz

mercoledì 14 ottobre 2015

Dar razão de nossa esperança


Eis uma entrevista recente, para conhecer o que vivemos e compreender o que sentimos. 
É um diálogo com o amigo Antonio Gaspari, da agência de informação Zenit. 
Dedico-a a Zé dos Santos, mais um mártir da frágil resistência de nossos povos...

Acabaram de encontrar Papa Francisco, o que disseram para ele e o que ele vos disse?

A coisa mais bonita que Papa Francisco nos disse foi: “Eu sempre, sempre tive grande admiração por vocês, pelo trabalho que fazem, pelos riscos que enfrentam... Sempre senti essa admiração grande. Obrigado”.
Esperávamos há muito tempo o encontro com Francisco; o preparamos durante nosso Capítulo Geral com uma peregrinação na casa do outro Francisco, em Assis, e trabalhamos durante todo o mês de Capítulo sobre a Evangelii Gaudium, sobre como traduzi-la em prática em nossa missão comboniana.

Ao Papa dissemos muitas coisas, cada um nos trinta segundos que teve a disposição com ele! Creio que ele se fez uma boa ideia da pluralidade de nossa família comboniana: intercultural e mergulhada em desafios tão diferentes nos quatro cantos do mundo. Houve quem lhe falou do drama da guerra em Centráfrica, Sudão do Sul ou Eritréia; quem do diálogo com o Islão ou do empenho missionário com migrantes ou povos afrodescendentes; quem mostrou empenho em sintonia com a encíclica Laudato Sí, especialmente na Amazônia e com os povos indígenas...
Como diz Daniel Comboni, somos raios diferentes, que porém saem do mesmo centro: o encontro com o Bom Pastor, que nos empurra para fora e nos faz sentir o gosto de ter o cheiro das ovelhas!

Está trabalhando numa comunidade missionária em Açailândia, às portas da Amazônia oriental, perto da maior jazida de ferro do mundo. As minas e ferrovias são obras humanas que –se bem utilizadas em função trabalhista e social- trazem desenvolvimento e progresso. Ao contrário, o que acontece onde vocês vivem estraga o meio ambiente e as condições de vida das pessoas, provocando muitas vítimas. A avidez de alguns é tão agressiva que gera violência e ameaças contra quem, como vocês, tentam defender as pessoas e o ambiente. Pode nos contar o que está acontecendo?

Vivemos na região de Carajás, área de enormes jazidas onde a empresa Vale (privatizada desde 1997, tornando-se uma das maiores multinacionais mineras) está extraindo minério de ferro há 30 anos.
Quando essas reservas foram descobertas, a perspectiva era de centenas de anos de exploração. Mas o ritmo de extração tornou-se descontrolado, bem além das necessidades efetivas de minério de ferro do mundo. Nesses últimos anos, Vale está duplicando o sistema inteiro (mina, ferrovia e porto) com o objetivo de exportar a partir de 2017 cerca de 230 milhões de toneladas de minério por ano. É claro, agora, que já a próxima geração conhecerá o fim de Carajás, um dos patrimônios mineiros mais ricos do mundo.

Na encíclica Laudato Sí, que chega a descrever bem também esses processos, encontramos esse texto que parece o retrato de nossa região: “Geralmente (as empresas), quando cessam as suas atividades e se retiram, deixam grandes danos humanos e ambientais, como o desemprego, aldeias sem vida, esgotamento dalgumas reservas naturais, desflorestamento, empobrecimento da agricultu­ra e pecuária local, crateras, colinas devastadas, rios poluídos e qualquer obra social que já não se pode sustentar” (LS 51).
Esse modelo extrativo é emblema da loucura da economia de hoje. Atualiza a prática colonial do saque de matérias primas, porém a um nível exasperado de crescimento sem limites. 

Escutemos mais uma vez a Laudato Sí: “... a ideia dum crescimento infinito ou ilimitado, que tanto entusiasmou os economistas, os teóricos da finança e da tecnologia. Isto supõe a mentira da disponibilidade infinita dos bens do planeta, que leva a «espremê-lo» até ao limite e para além do mesmo. Trata-se do falso pressuposto de que «existe uma quantidade ilimitada de energia e de recursos a serem utilizados, que a sua regenera­ção é possível de imediato e que os efeitos nega­tivos das manipulações da ordem natural podem ser facilmente absorvidos»” (LS 106).
Nossa Mãe Terra é limitada e não aguenta mais tamanho ataque. As populações locais percebem isso, o sentem na carne e buscam defender os territórios onde vivem, preservando-os da agressão desse modelo extrativista. Quem se opõe a isso, porém, corre sério perigo...

Que tipo de perigo?

No mês passado, Raimundo dos Santos Rodrigues foi morto. Era um camponês, pequeno proprietário de terra às margens da reserva biológica de Gurupi e membro do sindicato dos trabalhadores e trabalhadoras rurais. A Rebio Gurupi há tempo é visada pela ganância de grandes fazendeiros e madeireiros. A esposa de Raimundo estava ao seu lado na hora do atentado; ficou gravemente ferida e agora deve viver escondida, fugindo de quem a ameaça de morte. Mais de trinta famílias da mesma comunidade fugiram, temendo também por suas vidas. Abandonaram, de uma hora para a outra, casas, campos e animais. Não sabemos como poderão reconstruir-se uma vida. 

Muitas de nossas energias como missionários e defensores dos direitos humanos estão sendo dedicadas à proteção dos líderes locais...
Nós mesmos precisamos agir com muita atenção. Não recebemos ameaças de morte, mas em 2013 foi descoberta uma rede de espionagem de nossas comunidades religiosas, entidades e movimentos sociais por parte da empresa Vale e do próprio Estado brasileiro, com acesso a nossas comunicações telefônicas e internet e pessoas infiltradas dentro de nossos grupos, para antecipar estratégias e comunicar os nomes das pessoas mais ativas e comprometidas. Imaginem o clima de desconfiança e insegurança que se criou entre nós...

Sobre toda essa situação vocês escreveram um livro em italiano, “Il prezzo del ferro” (O preço do ferro) e criaram uma rede de resistência. Pode comentar algo a respeito?

Chamamo-la “Justiça nos Trilhos”, porque desejamos que a ferrovia -que atravessa 100 comunidades, em 27 municípios ao longo de 900 Km de percurso desde a mina até o porto de São Luís- se torne um corredor de efetivo desenvolvimento, pelo protagonismo de quem o habita, pelas iniciativas produtivas com base familiar e pelo respeito das culturas e do estilo de vida das populações locais
É muito importante que essas comunidades (indígenas, afrodescendentes, de agricultores, pescadores ou moradores das periferias urbanas) se percebam como atingidas por um mesmo modelo e que esse pode ser mudado no momento em que suas vítimas organizam a esperança e a resistência.

Estamos reforçando a cada dia também a aliança em rede com outros movimentos e grupos, para fazer interagir as periferias com os centros desse mecanismo de mercado.
Por exemplo, seguimos a cadeia de produção do aço e, com a ajuda do Centro Novo Modelo de Desenvolvimento, da Itália, propusemos dados e reflexões sobre o “preço do ferro”, indicando quais os custos humanos, sociais e ambientais que não vêm sendo calculados pelos mecanismos de mercado.

Nessa construção de alianças, aproximamo-nos também à cidade de Taranto, no sul da Itália. Do outro lado do oceano, há uma comunidade que como nós se rebela à poluição e à morte, provocados lá pela maior empresa siderúrgica de Europa, chamada Ilva, que é alimentada pelo mesmo minério de ferro que sai das entranhas de ‘nossa’ Carajás!
Acompanhar a violência e a dor provocados por esse modelo de produção e consumo nos leva a repensar o valor da vida, do futuro. Papa Francesco ensina que toda criatura possui um valor intrínseco, independente do uso que se pode fazer dela (cf LS 140). Quando compreendemos o valor da vida, recuperamos a capacidade de colocar limites, limitando assim também o sofrimento ou a degradação daquilo que está a nossa volta (cf. LS 208).

Nas páginas de alguns meios de informação, a ação de vocês vem sendo confusa com manifestações de caráter político; seu espírito evangélico de defesa dos últimos e dos pobres é indicado como extremista. Explique aos leitores qual é o fundamento de suas ações.

Sobre os meios de comunicação e a influência dos vários formadores de opinião, me reconheço integralmente nas palavras do Papa ao n. 49 da Laudato Sí: “Muitos profissionais, formadores de opinião, meios de comunicação e centros de poder estão localiza­dos longe deles (os excluídos), em áreas urbanas isoladas, sem ter contato direto com os seus problemas. Vi­vem e refletem a partir da comodidade dum de­senvolvimento e duma qualidade de vida que não está ao alcance da maioria da população mun­dial. Esta falta de contato físico e de encontro, às vezes favorecida pela fragmentação das nossas cidades, ajuda a cauterizar a consciência e a igno­rar parte da realidade em análises tendenciosas”.

Não precisamos justificar para ninguém nossa escolha de estar ao lado dos pobres.
Quero porém “dar razão disso”, isto é, indicar o significado que essa escolha traz para nós.
Nos dá alegria e sentido. Nossa consciência, nossos sentimentos e nossa humanidade são profundamente provocados e continuamente renovados ao permanecer ao lado das pessoas mais simples, aos excluídos e às vítimas.
Não estamos bem, entre os pobres, porque ali também há egoísmo, conflito, raiva, decepção. Mas com certeza nos sentimos mais humanos e, portanto, mais divinos.

Deus encarnou-se (e não entre os ricos) exatamente para nos fazer entender isso. Para que sentíssemos a beleza de lutar juntos, de buscar a vida e defende-la com todas as nossas forças. A beleza de descobrir as razões de esperança mesmo na dor mais profunda.
Caminhar junto às vítimas faz entender bem o que significa “esperar contra toda esperança”. Percebo que, nesse caminho, a sede de justiça e a necessidade de misericórdia se aproximam até coincidir, lá onde pulsa o sentido mais profundo da vida.