Vida e Missão neste chão

Uma vida em Açailândia (MA), agora itinerante por todo o Brasil...
Tentando assumir os desafios e os sonhos das pessoas e da natureza que geme nas dores de um parto. Esse blog para partilhar a caminhada e levantar perguntas: o que significa missão hoje? Onde mora Deus?
Vamos dialogar sobre isso. Forte abraço!
E-mail: padredario@gmail.com; Twitter:
@dariocombo; Foto: Marcelo Cruz

domenica 24 dicembre 2017

Maranathá! Venha a nós o teu Reino!

Vem, Senhor Jesus! Venha a nós o teu Reino!

É noite, está escuro, mas estamos aqui, celebrando.
É o desemprego, a poluição, o desrespeito dos pobres. É a violência, o descaso, o desmatamento. São as doenças e as mortes. Mas estamos aqui, celebrando.

Os poderosos estão em outras festas, cuidando de outras ordens. Querem impô-las a nós. Parecem surdos, cínicos. Declararam guerra aos pobres.
Mas nós nos desanimamos: é denúncia, é protesto e manifestação. Hoje, celebrando, é também oração teimosa para que algo novo nasça também no coração desse País.

Vem, Senhor Jesus! Venha a nós o teu Reino!

Em nossas casas há muitas manjedouras. Em cada uma nasce o Menino Jesus.
Há solidariedade, comunhão, eucaristia. Há uma fé impressionante, que a noite não apaga.
No meio dos pobres nos alimentamos, reencontramos a força que estávamos buscando.

Vem, Senhor Jesus! Venha a nós o teu Reino!

Os pastores ficam vigiando a noite toda, em turnos. A luz está vindo, é preciso descobrir de onde...
Não podemos desanimar, adormecer, nos resignar. Se alguém se acomodar, acorde-o!
Amigo, fique de olhos abertos, de pé, sempre pronto a caminhar!
O Senhor Jesus está passando, ele puxa os pobres pela mão, para caminhar com eles, abrir fendas de libertação!

Vem, Senhor Jesus! Venha a nós o teu Reino!

mercoledì 12 luglio 2017

Reforma trabalhista: voltamos ao Egito

Amanhecemos com mais um peso nas costas. Um jugo que uns poucos, que não carregam, colocaram no pescoço dos trabalhadores e trabalhadoras do Brasil.
Foi dado outro passo no projeto refinado e cínico para concentrar ainda mais a renda e os bens do País.
A CNBB, o MPT, a OAB e outras entidades definem a reforma trabalhista aprovada ontem no Senado um “grave retrocesso social”, um texto “crivado de inconstitucionalidades”.

A Palavra de Deus que hoje meditamos e que nos ilumina a cada manhã nos fala da família de Jacó, desesperada em tempos de fome, em busca de pão no império do Egito.
O estado egípcio era formado por uma elite dominante (menos de 5%) e por súditos inferiores (90%). O Egito tinha acumulado o grão: a terra estava nas mãos do faraó, em troca das sementes e do direito de trabalhar o povo entregava um quinto da colheita aos donos, e em seguida era obrigado a comprar deles as sementes.
Esse sistema econômico mortal beneficiou uma pequena minoria e levou à dependência ou à escravidão a maior parte das famílias. É um projeto que gera pragas que o próprio sistema não conseguirá mais controlar; é um modelo destinado a afundar em águas profundas.

Amanhã estaremos todos lambendo as feridas dessa sociedade, tentando curativos improváveis para estancar a hemorragia de famílias desestruturadas, jovens precarizados, falta de segurança nas ruas e na vida de cada pessoa. 
Não esqueçamos, porém, que a fonte de tudo isso vem de jornadas como aquela de ontem, de alianças sujas entre uma política de interesses particulares e o projeto cobiçoso dos arautos da economia capitalista.

Essa é a mãe de todas as violências. Quem a semeia e cultiva carrega a responsabilidade maior. Mas também quem apoia ou ignora silenciosamente se faz cúmplice.
Quem tem fé no Deus da Vida se levanta, mesmo se é noite, e retoma caminho tentando sair desse Egito, a cada ciclo histórico mais excludente. 

venerdì 19 maggio 2017

Chuva forte na rua

Dias de chuva forte em São Paulo. Como um símbolo da purificação profunda e necessária nesse País de deslavada corrupção.

Dona Francilene anda perdida nas ruas alagadas. Procura a estação do metrô, para voltar para casa. Veio da região de Brazilândia (um ônibus e dois metrô até aqui), em busca de um trabalho. Estava de diarista numa casa, mas sua ‘patroa’ lhe disse que não tinha mais como pagá-la, a não ser que se contentasse de um trocado ‘por fora’. 
Encontrou uma oferta no Butantã, mas seria para trabalhar de domingo a domingo... e todo dia quatro horas gastas no transporte urbano.

Enquanto caminhamos até o metrô, um senhor já idoso, de bigode branco, se ampara da chuva forte debaixo de um alpendre de cimento, fora do portão de uma casa. 
Tem sua uniforme de gari. Saiu à rua mesmo se desde cedo está trovoando, espera pacientemente: talvez melhore e ainda tenha tempo de dar uma limpada e desentupir as bocas de lobo do bairro. 
Quando retorno, uma hora depois, está ainda lá, fiel, porque ‘esse é meu trabalho’.

Penso, de volta para casa, nas delações premiadas, na facilidade com que, entregando esquemas e cúmplices, se alivia a responsabilidade e a imputabilidade pessoal e corporativa. Penso nos políticos que entram e saem de cena levianamente, nesse circo da irresponsabilidade. Trocam de partido, de aliados e de financiadores, surfam a onda e, quando já não podem mais, passam o poder aos afiliados, cuidadosamente treinados na tecelagem de suas redes de interesses.

O gari de bigode branco fica na rua, esperando que a chuva passe, fiel à sua responsabilidade.
Francilene voltará ainda à rua, ou para trabalhar, ou continuando em sua busca.
Essa gente que desce às ruas a cada dia merece nosso respeito mais profundo. Em nome deles, e junto com eles, vale ainda a pena lutar.
É a rua o ponto de partida de nosso grito por direitos, nossa chave de leitura para desmontar os jogos ‘políticos’ desse tempo obscuro, nosso ponto de retorno permanente, para não perder a fidelidade.
Para nós religiosos, é a partir das ruas que Jesus de Nazaré nos convida a construir uma igreja de gente organizada, no caminho da dignidade dos pequenos e do resgate dos excluídos.
Para os políticos de verdade (porque ainda existem!), é o vocabulário da rua que orienta as escolhas: inclusão, participação, iniciativa popular, garantia de direitos...

Só descendo às ruas, portanto, poderemos começar uma página nova de história. Mesmo se lá fora está ainda trovejando e faz frio...

lunedì 1 maggio 2017

Impressões ribeirinhas

Em 2014 a vida se interrompeu por três meses, em Calama.
A enchente do Rio Madeira, no primeiro inverno em que as usinas hidrelétricas de Porto Velho estavam operando, cobriu a maioria das casas, acima das janelas.
As famílias amontoaram-se no Colégio, lá no alto da vila, no pátio da igreja ou no meio do rio, refugiadas nas precárias balsas dos garimpeiros.
 
Ainda hoje sentem-se as consequências desse desastre: a força das águas destruiu os plantios das comunidades ribeirinhas, e a safra de bananas e açaí ficou prejudicada por anos.
Um dos frutos da enchente, paradoxalmente, foi um certo crescimento da comunidade de Calama. Há mais gente chegando, nesses últimos três anos, só que estão vindo das comunidades menores, à beira do rio, que não conseguiram resistir.
 
Haverá futuro para essa vida ribeirinha? O que será das margens do baixo Madeira daqui a dez, vinte anos, considerando o contínuo crescimento da capital, Porto Velho, o avanço da soja e a expansão da pastagem, logo atrás de uma sutil área de mata ciliar ainda preservada? Há muitas ameaças à preservação da floresta ao longo do rio.
 
A comunidade ribeirinha sente que seu tesouro de vida está sendo saqueado, como um vaso de barro rachado, perdendo água gota a gota, irreversivelmente.
Há gente que não consegue ficar longe de Calama, pelas raízes familiares, os laços culturais, os vínculos com o ritmo e a fartura da natureza. 
Outros decidem morar aqui por opção profissional, como o professor e o médico cubanos que trouxeram um novo respiro à comunidade.
Está bem quem tiver um emprego público: professor, enfermeiro, vigia, gari... Em regiões tão isoladas, essa é uma das maneiras para garantir a sobrevivência das comunidades e, com isso, a defesa da Casa Comum sem necessidade de saqueá-la.
 
Sou a favor de uma bolsa-trabalho coletiva, para todas as famílias que aceitem permanecer nesses territórios, com compromisso de organizar e assessorar um sistema interno de autogestão, que cuide de saúde, educação, assistência social, ordem e segurança, preservação do meio ambiente.
Na situação atual, é fácil para quem mora aqui e não tem recursos optar pelo garimpo no rio, despejando mercúrio na boca dos peixes que no dia seguinte estarão na mesa dele e de sua comunidade.
 
E qual o papel da Igreja, se for consciente e comprometida? 
Senti nesses dias a força da tradição religiosa, vivenciada no dia a dia da oração e das celebrações comunitárias: estreita relações, amarra as pessoas às suas terras (e rios), promove comunidade e autogestão, resiste à dispersão do espírito individualista. 
Também essa igreja de rua, que visita as casas, caminha em procissão, encomenda aos santos a colheita, a pesca e a proteção das enchentes, pode ajudar os ribeirinhos a preservar um pedaço de vida na Amazônia que não queremos perder!

Articulando as comunidades com dioceses, movimentos e instituições através da Rede Eclesial Panamazônica (REPAM), a Igreja é um ator importante no cuidado da Casa Comum a partir do estilo de vida das populações tradicionais que a habitam.

sabato 15 aprile 2017

Que País é esse?!

Reforma da Previdência e do ensino médio, terceirização e redução dos direitos trabalhistas, tentativas de flexibilização dos licenciamentos ambientais... por que tanta pressa em desmontar garantias conquistadas a duras penas pela sociedade civil organizada e os movimentos sociais?

Os Frades Menores do Brasil compararam a pressa do governo Temer em aprovar as reformas com a pressa de Judas para entregar Jesus aos poderosos da época.

Quem manda de verdade, atrás desses bonecos feitos políticos? Estamos sendo governados por pessoas que conquistaram o poder ilegitimamente, perderam todo tipo de credibilidade e, sem mais nada a perder, revelam descaradamente os interesses de quem os utiliza como marionetes.
“Falta autoridade moral aos atuais deputados e senadores”, comentaram os bispos de Minas Gerais.

A Igreja Católica nos últimos meses tem sido corajosa e profética, em dar nome a esse jogo sujo.
A CNBB disse em alto e bom tom que o Governo está escolhendo “o caminho da exclusão social”.
Criticou a manipulação de dados e a desinformação com que o Executivo quer nos fazer engolir a reforma da Previdência. Afirmou que há “informações inseguras, desencontradas e contraditórias”.
Não é verdade que a crise da Previdência se resolve sugando do bolso dos mais pobres!
Os bispos do Brasil indicam como alternativa auditar a dívida pública, taxar a renda das instituições financeiras, cobrar os devedores da Previdência e rever os incentivos fiscais para empresas que exportam produtos primários, como a mineração e o agronegócio.
Empresas públicas, privadas, fundações, governos estaduais e prefeituras devem à Previdência Social quase três vezes mais que o atual déficit do setor!

A Previdência é proteção social para os empobrecidos e tem um papel essencial na redistribuição de renda. O adiamento e as ameaças de redução do Benefício de Prestação Continuada (BCP), por exemplo, irão prejudicar sobretudo famílias em situação de extrema pobreza que cuidam de pessoas idosas ou deficientes.

As violações dos direitos humanos vêm de longe, nesse País que nas últimas décadas protegeu a autonomia absoluta dos mercados e da especulação financeira, sem atacar as causas estruturais da desigualdade social.
Em 2016, 61 camponeses e 138 indígenas foram mortos porque tentavam defender suas terras.
Trinta mil jovens foram matados, 76% deles eram negros. Nos últimos 10 anos, os assassinatos de mulheres negras cresceram do 54%.

Essa onda de morte é fruto da violência institucionalizada e de escolhas políticas que alimentam os conflitos pela terra e os recursos naturais, assim como a exclusão das “pessoas de sobra”, inúteis ao mercado. Ao mesmo tempo, essa onda se levantou ainda mais graças ao clima de impunidade e falta de ética instaurado sem vergonha alguma pela classe política atual!

Com o novo Governo, estamos passando de um contexto de violações sistematizadas de direitos a uma conjuntura ainda mais grave: o desmonte do Estado de direitos.

Nesse cenário, Papa Francisco provoca os cristãos: é urgente repensar a relação entre povo e democracia! As atuais formas de democracia se distanciam cada vez mais da vida dos povos, pelo domínio dos grandes grupos econômicos e mediáticos.
A resposta à crise desse sistema não pode vir de cima, depende da capacidade das pessoas de boa fé, dos movimentos sociais e da sociedade civil mobilizada e organizada.
Nós podemos, sim, “promover processos de convergência de milhões de pequenas e grandes ações, em cadeias criativas, como numa poesia”! Por isso, Papa Francisco nos chama de “poetas sociais”...

giovedì 6 aprile 2017

Ressuscitou mesmo?!

Para preparar nossa Páscoa, gostaria de fazer dialogar entre si duas mulheres que não se conhecem, mas que se inspiram reciprocamente e que nos ajudam a compreender melhor o sentido desses próximos dias.

Nancy é teóloga metodista, mãe de dois filhos, muito comprometida junto à Comissão Pastoral da Terra.
Durante essa longa Quaresma, no cenário preocupante do Brasil de hoje, ela escreveu um texto forte e provocador: “Este ano não haverá ressurreição”.
Nunca antes de hoje o cristianismo no Brasil foi tão aparecido, celebrado, massificado... mas toda essa pompa não vale nada! Não melhora de um centímetro a nossa vida em sociedade.
O fascismo e a barbárie convivem com cultos, missas e louvores. O cristianismo precisa descer do salto alto, largar a tribuna e o palco.
Num país tão violento e profundamente injusto, o fervor religioso é fator anestésico, ou até mesmo vetor de intolerância. “Fé de mais! Vida de menos”.

Em 2016, 61 camponeses e 138 indígenas foram mortos porque tentavam defender suas terras.
Trinta mil jovens matados, 76% deles eram negros. Nos últimos 10 anos, os assassinatos de mulheres negras cresceram do 54%. Somos o quinto país no mundo pelo número de feminicídios. A cada 25 horas é morta uma pessoa LGBT (nisso o Brasil é o primeiro país no mundo).
Com toda essa violência nos ombros, não haverá ressurreição – desabafa Nancy.  “Somos o túmulo, a falência da fé. Não é preguiça na busca de Deus: é vergonha, profunda vergonha”.

Como negar essa invectiva? Por que silenciar esse grito de raiva?
Passei dias inteiros perguntando-me como celebrar a Páscoa, até que reencontrei a senhora Neide.
Catequista, formou-se à escola da religiosidade familiar e depois iniciou a saciar sua sede, gota a gota, bebendo à teologia da libertação traduzida na prática de vida das pequenas comunidades cristãs, no tempo da ditadura militar.
Precisava inventar uma nova igreja, naqueles anos ‘70 em que à repressão do exército somava-se uma urbanização desenfreada e excludente nas periferias.

Ela fez isso por anos, junto às mulheres de um dos mil bairros excluídos da megalópole de São Paulo e ao lado do homem com que depois se casaria.
A equipe pastoral era composta principalmente por leigos e leigas; naquela época, mais que hoje, a visão de Igreja era horizontal e a comunidade era um espaço de partilha, crescimento humano e formação civil, a partir da leitura popular da Bíblia e da situação social.
Quando seu marido adoeceu, a vida inteira de Neide tornou-se uma catequese. Por 17 longos anos ficou ao seu lado, ele perdendo pouco a pouco antes a visão, depois a palavra, finalmente o movimento. Neide falava e cantava com ele, mesmo sem receber respostas.

Entre o silêncio desse homem e o espanto de Nancy existe uma ligação misteriosa, que tem a ver com a dor do mundo. A ressurreição não é uma resposta banal a esse mistério, um final feliz de conto de fadas, um prêmio de consolação.
Oferece sinais de ressurreição quem, como Nancy, continua a indignar-se. E quem, como Neide, continua a cuidar da vida, apesar do grande silêncio.